
O Livro Com Capa De Pele Humana
A Universidade Harvard confirmou que o livro do século 19 tem capa de pele humana.
Atualmente, a maioria das capas de livros é feita de papel, geralmente mais grosso do que as folhas, mas de material proveniente da celulose ou mesmo reciclado. Os livros com capas de couro (real ou sintético) são reservados apenas para edições especiais.
No entanto, antigamente, muitos livros tinham capas revestidas de couro, que era normalmente retirado de animais bovinos, cabras e carneiros ou até de humanos! Sim, já foi descoberta a existência de alguns exemplares de livros que tinham a capa revestida com pele de pessoas.

Um desses livros já havia sido descoberto pelos especialistas de Harvard, mas só agora eles confirmaram de fato que realmente se trata de uma capa feita com pele humana, mais especificamente retirada das costas de uma mulher.Um dos curadores da pesquisa de Harvard anunciou que foram realizadas diversas análises em um livro intitulado Des Destinées de l’ame (Os Destinos da Alma), do escritor francês Arsène Houssaye, que foi publicado em algum momento da década de 1880. Com isso, eles confirmaram com 99,9 % de certeza que ele tem a capa feita com pele humana.
O livro, que está no arquivo da Biblioteca Houghton de Harvard desde 1930, foi dado pelo autor a seu amigo médico Ludovic Bouland, que o encadernou com a pele. O exemplar tem uma anotação interna de Ludovic, que explica um pouco sobre isso. O recado diz:
“Este livro é encadernado em pergaminho de pele humana em que nenhum ornamento foi carimbado para preservar a sua elegância. Ao olhar cuidadosamente, é possível distinguir facilmente os poros da pele. Um livro sobre a alma humana merecia ter uma capa humana: eu tinha mantido este pedaço de pele humana retirado das costas de uma mulher.
É interessante ver os diferentes aspectos que mudam a pele de acordo com o método de preparação a qual ela é submetida. Compare, por exemplo, com o pequeno volume que tenho em minha biblioteca, Sever. Pinaeus de Virginitatis notis, que também está encapado com pele humana, mas curtido com sumagre (sumagre é uma especiaria que era muito utilizada antigamente como corante para couro).

A prática não era tão bizarra na época. Pode parecer um tanto estranho para nós, mas não era realmente tão incomum no passado e ela remonta desde o século 15, de acordo com os curadores de Harvard.
Conhecida como “encapamento antropodérmico“, muitas pessoas aparentemente utilizavam a prática para lembrar os mortos. Outro motivo comum era utilizar a pele de cadáveres dissecados em aulas de anatomia para encapar os próprios livros sobre o assunto. Dessa forma, o morto indigente tinha mil e uma utilidades para a ciência e a literatura.
Voltando ao proprietário do Des Destinées de l’ame, os pesquisadores acham que ele possa ter conseguido a pele de uma mulher doente mental, cujo corpo nunca foi reclamado (pela família ou conhecidos) depois de morrer de um acidente vascular cerebral. O outro livro que ele menciona na anotação acima está na coleção da Biblioteca Wellcome.
Como foi dito anteriormente, os pesquisadores de Harvard já tinham conhecimento sobre a suposta origem do livro há algum tempo, mas só agora confirmaram. Para investigar a origem do couro da capa, eles utilizaram um processo de identificação de proteínas, através dos peptídeos, para saber de que animal ele teria vindo — análise conhecida como impressão digital de peptídeos.
Isso lhes permitiu descartar quase todos os possíveis donos do couro (bovinos, caprinos, ovinos), exceto alguns primatas. Ali eles viram que as anotações do proprietário do livro talvez não fossem nenhuma brincadeira. Com isso, as amostras foram analisadas mais uma vez para ver como os peptídeos haviam sido formados, o que permitiu aos pesquisadores descartar todas as outras possibilidades, menos a da origem humana da capa.
“Os dados da análise, em conjunto com a proveniência de Des Destinées de l’ame, tornou muito pouco provável de que a origem poderia ser diferente da humana”, disse Bill Lane, diretor de Espectrometria de Massa e do Laboratório de Recursos Proteômicos, à biblioteca de Harvard.
Para fascinação ou estranhamento geral do público, o Des Destinées de l’ame é agora o único livro conhecido por ser encapado com pele humana em todas as bibliotecas de Harvard. Dois outros livros foram previamente creditados dessa forma, mas ambos já foram confirmados como sendo encadernados em pele de carneiro.
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Outros quatro livros encadernados com pele humana:
1. Livro de Bolso da pele de Burke
William Burke foi um médico que viveu durante o século XIX. Em sua trajetória profissional, usou muitos cadáveres para projetos de dissecação, mas entrou para a história por ter cometido, junto a seu colega William Hare, cerca de 16 assassinatos para fornecer corpos à faculdade de medicina da Universidade de Edimburgo.
Quando as suspeitas surgiram, Hare optou por denunciar o colega, que foi condenado à morte. Na sentença, o juiz determinou que Burke deveria ter o corpo dissecado e anatomizado publicamente.
A pele dele foi removida e transformada em couro, encadernando um pequeno bloco de notas, onde foi gravado, em letras douradas livro de bolso da pele de Burke. O exemplar fica exposto no Surgeons’ Hall Museums, museu da faculdade onde Burke trabalhava.
2. O Livro de Horwood

A história do Livro de Horwood mostra que a turma do século XIX tinha um senso punitivo bem macabro. John Horwood foi executado aos 18 anos, em 1821, pelo assassinato de Eliza Balsum. Eliza era uma mulher por quem Horwood tinha obsessão, a ponto de matá-la em virtude da rejeição dela por ele.
Como neste período corpos de criminosos eram doados às faculdades de medicina, o corpo de Horwood virou instrumento universitário. Ele foi dissecado e sua pele retirada para encadernar o livro em que Richard Smith, médico responsável por tentar salvar a vida de Eliza, anotou os detalhes do caso.
Na capa é possível ler “a pele real de John Horwood” gravado em latim com letras douradas. O exemplar faz parte do acervo do Bristol Museums.
3. O Escaravelho de Ouro, de Edgar Allan Poe

Lembra que no início dessa lista falamos sobre a fixação de colecionadores com obras literárias raras? Uma edição de O Escaravelho de Ouro, um dos contos mais sinistros escritos por Edgar Allan Poe no século XIX, foi encadernado utilizando pele humana e arrematado em um leilão na PBA Galleries por US$ 1020.
Na parte interna do livro, uma dedicatória confirmava a exótica elaboração deste exemplar, afirmando que seria uma “homenagem ao mórbido Poe, amante da morte”. O couro ficava na lombada e era gravado com a ilustração de uma foice, uma pá e um escaravelho dourado.
4. Livros médicos do Dr. John Stockton Hough

No acervo da The College of Physicians of Philadelphia, nos EUA, três livros do século XIX chamam a atenção. Foram escritos pelo médico John Stockton Hough, que usou pele humana para encaderná-los. Na época com apenas 23 anos, Hough descobriu na autópsia que a paciente não havia morrido de tuberculose, mas de triquinose (uma infestação de parasitas).
Para celebrar, decidiu retirar um grande pedaço da pele da coxa da mulher, chamada Mary Lynch, e a transformou em couro. Ele manteve o material guardado por 20 anos, quando decidiu utilizá-lo para encapar a lombada de três livros com suas anotações sobre diferentes temas: anatomia feminina, fecundação e parto.
As obras integram o Mütter Museum, museu de ciências médicas da instituição de ensino. Eles não ficam acessíveis livremente, sendo necessário solicitação prévia e autorização da direção.

Texto: BBC