
Narciso
A política tem ciclos de quatro anos. Ou três, se considerarmos o período de um ano necessário para a adaptação ao cargo.
Prefeito, governador, presidente… Não importa. A realização das obras que irão marcar a administração tem data para início e fim que, não por acaso, coincidem com o mandato. Ninguém planeja coisa alguma para além do quarto ano, mesmo com a certeza da reeleição.
Não existe passado, nem futuro. Apenas o presente. E é no presente que ele, admnistrador público, vai apagar as marcas anteriores e iluminar as suas como um verdadeiro narcisista. Sem planejamento algum, ele decide sobre tudo o que se puder imaginar, mas nada que ultrapasse o seu mandato e permita que seu sucessor, seja quem for, tome para si os louros da inauguração.
Não existe planejamento. Cada um age como quer e como acha que deve agir. O mandato é o seu espelho. Se é preciso fazer uma ponte alí, que faça. O que importa é a inauguração da ponte e não o que ela destruiu para ser erguida. Com o tempo vão se notando as falhas e as necessidades paralelas daquela obra que, possivelmente, ficará inacabada e a responsabilidade cairá sobre seus sucessores.
Gerir uma obra ou administração é impossível sem o devido planejamento. E são muitas as decisões que precisam de mais do que quatro anos.
Só para ilustrar, em 2010, o então presidente Lula assinou a tão esperada “Política Nacional de Resíduos Sólidos”, onde detalhava uma série de bem vindas providências quanto à gestão do lixo, entre outras, e dando prazo até 2014 para os municípios se adaptarem a ela.
Como era de se esperar, ninguém fez coisa alguma. Uns porque o mandato iria terminar dali a dois anos, em 2012, e não haveria tempo. Outros porque o mandato começou em 2012 e também não haveria tempo.
Quer dizer, voltamos aos quatro anos de narcisismo.
O lixo produzido nas cidades não é uma questão simples de resolver. Demora mais do que um mandato e, por essa razão, os administradores postergam a solução sem jamais deixar de externar suas preocupações com a ecologia. E isso claramente ocorre nas demais áreas da admnistração pública.
Se houvesse planejamento, a gestão e o controle seriam mais fáceis e os desvios e a corrupção, muito mais difíceis.
Vai ver, a explicação é essa mesma.
NE – “Narciso” (1590), pintura de Caravaggio , Galleria Nazionale d’Arte Antica, Roma