HMS Wager – Motim ou Sobrevivência

Diversos

O Wager foi construído como um East Indiaman em 1734 e partiu de Downs em 13 de fevereiro de 1735 para sua viagem inaugural, sob o comando do capitão Charles Raymond. A segunda e última viagem foi para a Índia em 1738, passando pelo Cabo da Boa Esperança. Era um navio civil armado, com 28 canhões e tripulação de quase 100 pessoas.

Desenho do Wager

Em 1739, o Wager foi adquirido pela Royal Navy e reclassificado. Era um barco pequeno em comparação com os demais da frota e bastante útil para reconhecimento, ágil para perseguir e era capaz de navegar em águas pouco profundas.

Mas tudo começou em setembro de 1740, durante um conflito entre Inglaterra e Espanha.
Com cerca de 250 oficiais e tripulantes a bordo, o agora navio militar britânico HMS Wager pertencia a uma esquadra com a missão secreta de saquear um galeão espanhol cheio de tesouros que era chamado de “o prêmio de todos os oceanos“.
Já próximo ao cabo Horn, no sul da América do Sul, eles enfrentaram ventos fortíssimos e chegou-se a acreditar que o navio tenha afundado, com todos os seus tripulantes.

No dia 13 de maio de 1741, às 9h00, o carpinteiro foi inspecionar as placas da corrente e jurou ter visto terra a oeste. O tenente Baynes não viu nada e nada relatou. A essa altura, ninguém tinha notado de que o Wager tinha entrado numa grande baía ainda não mapeada.

Ilustração do Wager enfrentado a tempestade e batendo nas rochas

Às 14h00 foi avistada terra a oeste e noroeste e todos tentaram virar o navio para sudoeste. O navio estava bastante desgastado e o capitão David Cheap ferido (ele caiu de uma escada no convés e feriu seriamente o ombro) dificultou muito a saída da baía. Na madrugada do dia seguinte, o navio bateu nas rochas, quebrou o leme e ficou parcialmente inundado. Vários tripulantes se afogaram, pois estavam muito doentes ou incapacitados de sair de lá. No final da manhã, o navio voltou a bater e encalhou com força.

O capitão ainda escreveu que a tripulação estava “tão fatigada pela viagem que mal podia cumprir o seu dever”. Além disso, afirma que, depois de ter caído e se ter machucado, foi drogado pelo cirurgião do navio e que as ordens que deu foram desobedecidas.

Charles Wager

Parte da tripulação invadiu a sala dos oficiais, embebedaram-se, armaram-se, saquearam, vestiram-se com roupas de oficiais e lutaram. Vários outros (cerca de 140 homens e oficiais) foram para a costa. No dia 15 de maio o navio encalhou de vez e muitos dos bêbados morreram afogados.

Alguns deles chegaram a uma ilha e salvaram comida suficiente para sobreviver. Mas as disputas por comando acirraram os nervos e os mais exaltados ainda tentaram comandar os poucos homens que ainda restavam. O capitão matou um aspirante com um tiro para tentar manter a ordem e não conseguiu. Conforme a coisa toda agravava, o grupo dos tripulantes amotinados acabou com duas facções em guerra. Saques, deserções e assassinatos… famintos, alguns até chegaram ao canibalismo.

O capitão Cheap escreveu: “levaram consigo todas as nossas armas, munições, as poucas roupas que tínhamos guardado; tudo o que nos podia ser minimamente útil”. O grupo do capitão incluía o aspirante Byron, mais tarde almirante Lord Byron, e avô do famoso poeta. O capitão e um grupo de cerca de 20 homens, navegaram para o norte em barcos abertos na esperança de chegar à civilização. Outro grupo com cerca de 80 membros da tripulação e soldados foram para sul num barco longo. Sob o comando do artilheiro Bulkely, eles navegaram através do Estreito de Magalhães até ao Brasil.

Aspirante Byron, aos dezesseis anos
Passagem Drake (sul da América do Sul)

Só que, quase dez meses depois de ter sido visto pela última vez, cerca de 30 náufragos (esse número é controverso) apareceram no litoral gaúcho, próximo do Porto do Rio Grande, num pequeno barco construído com partes do Wager.

Eles estavam em péssimo estado a ponto que mal conseguiam se mover. Eles enfrentaram vendavais, ondas enormes, tempestades e um sem número de agruras. Quando chegaram ao Brasil, cerca de três meses depois, esse barquinho havia percorrido quase 5 mil quilômetros. Eles foram recebidos pelas autoridades brasileiras como heróis e um deles chegou a dizer que era difícil acreditar que “a natureza humana pudesse suportar os sofrimentos que suportamos”.

Mas o mar sempre tem surpresas. Seis meses depois, outros três sobreviventes (todos militares) apareceram no Chile. Eles navegaram em uma canoa de madeira, com uma vela que foi costurada com pedaços de cobertores. A situação deles era ainda pior: todos magros e seminus que deliravam, com seus corpos cobertos de insetos.

Já recuperados e na Inglaterra, eles denunciaram os companheiros que haviam reaparecido no Brasil: não eram heróis, somente amotinados e, portanto, traidores da pátria. Foi um escândalo. Cerca de 140 sobreviventes teriam chegado juntos em uma ilha na Patagônia chilena, hoje chamada Wager. Lá, construíram um posto avançado e tentaram recriar ali a hierarquia naval.

Capitão David Cheap

Não existem muitas fontes confiáveis no que realmente aconteceu ao Wager, pois há uma verdadeira guerra de versões. David Grann, autor do livro “The Wager: A Tale of Shipwreck, Mutiny and Murder” considerou, após anos revisando diários de bordo em condições precárias, que “O julgamento ameaçou expor a natureza secreta não apenas dos acusados (e de sua tarefa de roubarem um navio espanhol cheio de ouro), mas também de um império cuja autoproclamada missão era disseminar a civilização”.

Texto de Renzo Grosso adaptado de publicações, jornais, livros e Gary Renshaw.

NOTA: Martin Scorsese promete um filme sobre esta história estrelado por Leonardo DiCaprio, ainda sem data definida.

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