A Filha de Stálin e a Fuga Para Os EUA

Política

Quando morreu, ela se chamava Lana Peters. Mas, antes disso, foi Svetlana Alliluyeva. E, antes ainda, chamou-se Svetlana Iosifovna Stálin.

Depois da morte do pai, em 1953, Svetlana começou a escrever suas memórias, que ela mandaria para fora do país como forma de protegê-las do Estado soviético.

Em 1963, já divorciada duas vezes, ela conheceu o político indiano Brajesh Singh, em Moscou. Mais uma vez, se apegou à ideia do casamento. Mas o governo não a permitiu que registrasse a união. Singh, que já estava bastante doente, morreria no mesmo ano. Svetlana, então, recebeu uma permissão extraordinária para levar as cinzas de seu falecido amante à Índia. Ela veria seus filhos pela última vez em 1966.   Josef tinha então 18 anos, e Katya, 16.

Uma vez na Índia, Svetlana acabou se apaixonando pelo país. O filho de Singh, que então trabalhava na cidade americana de Seattle, sugeriu a ela que viajasse para os Estados Unidos, com a finalidade de obter a cidadania americana e poder, assim, voltar à Índia mais tarde. Silenciosamente, Svetlana começou a sonhar com essa possibilidade e, em um impulso, ela entrou na embaixada americana em Nova Déli e anunciou que tinha a intenção de desertar da União Soviética. Isso ocorreu no dia 6 de março de 1967.

Naquele momento, o governo dos Estados Unidos sequer sabia que Stálin tinha uma filha.

O momento da chegada de Svetlana não poderia ser pior. Em outros períodos da Guerra Fria, ela poderia ter se tornado uma ferramenta de propaganda valiosa para os Estados Unidos. Mas em 1967, os dois países estavam num momento de distensão: negociavam até a construção de embaixadas.

Foram horas decisivas, nas quais decisões precisavam ser tomadas rapidamente para não levantar suspeitas sobre a ausência de Svetlana.

Um oficial da CIA, a agência de inteligência dos EUA, foi encarregado de levar Svetlana aos EUA. O agente, Roberto Rayle, se tornaria um grande amigo da filha de Stálin até o fim da vida dela.

A deserção de Svetlana em companhia desse agente da CIA foi notícia em todo o mundo e, para os soviéticos, Svetlana foi a desertora mais significativa do regime.   Ela chegou aos Estados Unidos no dia 21 de abril de 1967 e se tornou escritora.

Em pouco tempo, os ganhos com a publicação de seu primeiro livro, “Vinte cartas”, a tornaram milionária. Ela doou grande parte de sua fortuna a organizações de caridade, inclusive um hospital na Índia com o nome de Brajesh Singh.   Muitas pessoas se aproximavam dela com o intuito, ou interesse, de se promover e ganhar dinheiro. Enquanto isso, o governo soviético tentava vender a ideia de que Svetlana tinha sido sequestrada. Não podia aceitar que ela havia fugido livremente.

“Não podem crer que um indivíduo, uma pessoa, um ser humano, possa tomar uma decisão por si mesmo… Quando veem que todo o trabalho que tiveram durante 50 anos foi em vão e que as pessoas ainda têm vontade própria, se enfurecem muito”, disse ela numa entrevista a jornalistas nos Estados Unidos, em 1967.

Svetlana passou do silêncio total da União Soviética a um país onde existia imprensa livre – na qual sua vida era discutida.

“As pessoas acreditam mais nas mentiras ditas sobre mim do que no que eu escrevo ou digo. O nome do meu pai é muito odiado, e eu vivo embaixo de sua sombra”, disse Svetlana, segundo a biografia.

Nos EUA, Svetlana criticava o governo soviético, as decisões de seu pai e as ideias do líder soviético Vladimir Lênin. “Lênin foi o fundador de um sistema baseado num partido, no terror e na supressão dos desertores… todos os esforços para melhorar a imagem de Lênin e transformá-lo num santo são inúteis”, disse ela.

Esse tipo de declaração irritou o governo da URSS, que em 1969 retirou dela a cidadania soviética e a condenou por “má conduta e por difamar a cidadania”, algo que seu próprio pai havia tornado crime em 1938.

A busca de Svetlana por amor não morreu quando ela deixou a União Soviética.

Em abril de 1970, ela se casou novamente, dessa vez com o prestigiado arquiteto americano Wesley Peters. A união ocorreu três semanas depois de eles se conhecerem. Svetlana mudou de nome novamente para Lana Peters, e os dois tiveram uma filha, Olga, em 1971. Svetlana matriculou Olga em uma escola privada. Não queria ter contato com a educação pública nem com nada que tivesse a ver com o Estado.

Essa era também a desculpa dela para mudar de cidade frequentemente. Na realidade, porém, ela tinha medo de estar sendo seguida. “Em qualquer lugar que eu vá, seja a Austrália ou alguma pequena ilha, sempre serei uma prisioneira política do nome do meu pai”, escreveu Svetlana a uma amiga em 2009.

Em 1978 a filha de Stálin conseguiu a cidadania americana. Já divorciada de Peters, mudou-se com a filha Olga para a cidade de Princeton, em Nova Jersey.

Mesmo assim, Svetlana começou a notar que havia um forte sentimento anti-soviético nos EUA, e que as colegas de sua filha nunca a convidavam para qualquer evento. Olga vivia na sombra de seu avô. Era tudo o que Svetlana não queria.

Em busca de oportunidades para sua carreira de escritora, e pensando na educação de Olga, Svetlana mudou-se com a filha para a Inglaterra, em 1981. Já no Reino Unido, Svetlana recebeu uma ligação de seu filho Josef, que estava doente e queria vê-la.  Josef morreria em 2008.

Ela decidiu então voltar à União Soviética, sem se preocupar com o fato de que a visita poderia criar um novo incidente diplomático.

Por meio de um decreto, a Corte Suprema soviética (o tribunal de última instância do país) lhe devolveu a cidadania. O regime também confiscou os passaportes americanos dela e de sua filha Olga.

Quando pisou em solo soviético em 1984, Svetlana disse apenas que chegara “para reunir-me com meus filhos”.

Para o governo soviético, o retorno da filha errante de Stálin representava uma peça de propaganda. A imprensa do mundo todo a questionou sobre a decisão. Mas, mais uma vez, nada saiu como ela esperava.

O encontro com Josef foi marcado pela frieza, e ela nunca voltaria a ver Katya. Sentiu-se perdida mais uma vez. Além disso, Olga nunca seria bem aceita na União Soviética, e a própria Svetlana se transformaria numa espécie de troféu da propaganda do regime ou em uma pária. Ela começou a acreditar que o regresso tinha sido um erro terrível. “Ela é a filha de Stálin. E, na verdade, já está morta. Não pode viver sua própria vida. Não pode viver qualquer vida. Só existe em referência a um nome”, disse sobre si própria numa entrevista.

Em dezembro de 1984, depois de uma breve passagem pela Geórgia e uma internação por um problema de saúde, Svetlana e Olga conseguiram sair novamente da URSS. Svetlana, que já tinha 60 anos, voltou aos EUA. Olga foi para a Inglaterra.

Nessa época, as dificuldades financeiras da família aumentaram. Por algum tempo, Svetlana recebeu dinheiro cuja origem desconhecia, mas suspeitava que era da CIA. “Nunca fui espiã de ninguém e não posso viver da caridade da CIA”, disse ela em uma entrevista.

Sem oportunidades nos EUA, ela decidiu tentar a sorte no mercado editorial da França, também sem sucesso. Acabou voltando para a Inglaterra, onde morou em vários albergues.

Em 1991, Svetlana tentou suicídio, mas falhou.

Aos 71 anos, Svetlana decidiu voltar a morar nos EUA, em Wisconsin. Temia ser deportada ou que, depois de sua morte, seu corpo fosse levado à Rússia. Contratou inclusive um advogado para garantir que seu filho Josef não tivesse acesso aos seus restos mortais.

Em 2011, ela foi diagnosticada com câncer terminal. Morreu em em 22 de novembro de 2011, aos 85 anos. Sua filha Olga, que mudou de nome para Chrese Evans (a mesma que fez a foto de capa deste post), jogou as cinzas da mãe no oceano Pacífico.

“Vivi minha vida como pude (…) mas houve uma fatalidade. Você não deve reclamar do próprio destino, mas lamento que a minha mãe não tenha se casado com um carpinteiro”, disse ela a um jornal britânico em 1990.

Este texto baseou-se numa matéria da BBC, neste link:

‘Prisioneira do nome’: quem foi Svetlana Alliluyeva, a filha de Stálin que fugiu aos EUA – BBC News Brasil.

Imagem: Svetlana e Stalin em data não conhecida. Foto: cortesia – Chrese Evans

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