Taiwan e Os Conflitos Com A China
A China Imperial durou até 1911 e a República foi proclamada logo no primeiro dia de janeiro de 1912. Isso acabou com milênios de história imperial. Em pouco tempo, a nova república entrou numa guerra civil, que colocou os nacionalistas do partido Kuomintang (KMT) contra os comunistas de Mao Tsé-Tung. Os nacionalistas estavam ao lado de Chiang Kai-shek e, supreendentemente, conseguiram estabelecer um governo em Nanking, como capital provisória.
Durante a Segunda Guerra Mundial eles chegaram a se unir contra os japoneses e, com a derrota destes em 1945, tudo voltou ao “normal” e a guerra civil recomeçou. Em 1949 os comunistas de Mao venceram e proclamaram a República Popular da China em 1º de outubro.
Os partidários do KTM fugiram para a ilha de Taiwan que, com a derrota do Japão, havia voltado a fazer parte da República da China e era controlada por eles.
Foi uma situação estranha, pois daquele momento haviam duas Chinas: uma comunista, chamada oficialmente República Popular da China e sediada em Pequim e outra, chamada República da China, sediada em Taipé e comandada pelo KTM.
Chiang Kai-shek governou com mão de ferro e sob lei marcial por décadas, até 1987. No final da década de 1980, Chiang Ching-kuo, filho de Chiang Kai-shek, levou o país para a democracia. Em 1992 fizeram a primeira eleição livre e, em 1996, elegeram um presidente democraticamente.
Para o Partido Comunista Chinês (PCC) Taiwan pertence à China desde a antiguidade. Nem tanto. Somente no final do século 17, na dinastia Qing, a China exerceu seu poder sobre a ilha, mas quando a China foi derrotada pelo Japão na Primeira Guerra Sino-Japonesa, os japoneses mantiveram o controle dela. Taiwan só voltou a ser província chinesa no fim do século 19. A rigor, a República Popular da China foi fundada apenas em 1949. Nesse contexto, a China jamais exerceu o poder na ilha. Pura questão de semântica.
Taiwan é visto como um Estado independente, pois tem uma Constituição, um governo eleito de forma democrática, suas próprias Forças Armadas e passaportes próprios. Só que, por pressão da China, ela é pouco reconhecida por outros Estados. O governo em Taipé se posiciona como sucessor da República da China, que foi fundada em 1912 e chegou até pretender retomar o território continental dos comunistas.
Há controvérsias mesmo entre a população: alguns se consideram taiwaneses, outros chineses imperialistas, outros chineses comunistas e outros ainda como tudo isso. Assim mesmo, a opinião é unânime: a maioria defende manter uma república independente.
Os maiores partidos políticos de Taiwan, o KTM e o DPP, tem posições divergentes. O KTM não quer a independência, pois a considera “a única China” e quer manter os vínculos com a República Popular da China. Mas as derrotas nas eleições enfraqueceram essa posição. O DPP prega uma Taiwan independente.
Somente 13 Estados mantêm relações diplomáticas com Taiwan, entre eles o Vaticano e o Paraguai. Esse número vem diminuindo nos últimos anos devido a pressão de Pequim. Quer dizer, a grande maioria dos países não considera Taiwan um Estado independente, citemos os Estados Unidos e o Brasil.
Taiwan não faz parte da ONU. Só faz parte da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com ressalvas. Nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) permitiu que Taiwan participasse de sua assembleia, tudo por pressão de Pequim.
Esse isolamento vem desde 1971 quando a ONU reconheceu a República Popular da China como representante única da nação chinesa. Por essa razão, ante a falta de representatividade, Taiwan saiu da ONU, mesmo sendo membro fundador.
O presidente norte-americano Richard Nixon começou a se aproximar de Pequim em 1971, pois queria o poderio chinês para se contrapor à então União Soviética. Isso aconteceu numa época em que a China era vista como um país que produzia e copiava tranqueiras e não ameaçava ninguém. Em 1979 os EUA restabeleceram relações diplomáticas com a China e romperam relações com Taiwan, que não o viam mais como um país soberano. Outros tratados, como o de mútua defesa entre EUA e Taiwan, também foram encerrados.
A reaproximação norte-americana produziu um documento em que os EUA reconhecem que a República Popular da China é o único governo legal da China. Mas não colocam, explicitamente, que Taiwan faz parte dessa China…
Eles falam em “acknowledge” e não “recognize“. Muitos acham que isso foi de propósito, pois há uma diferença enorme entre aceitar e reconhecer. Nesse novo entendimento, os EUA reconhecem a China, mas apenas aceitam que Taiwan pertence à ela e continuam mantendo relações informais com Taipé a ponto de venderem armamentos para Taiwan com a desculpa de defendê-la. O Congresso Norte-Americano aprovou tudo isso.
Os norte-americanos sempre mantiveram essa “ambiguidade estratégica“, como é chamada, e isso ajudou a manter a a China longe de Taiwan, apesar dos exercícios militares que todo mundo insiste em fazer no Estreito de Taiwan.
A China já deixou bem claro que vê Taiwan como uma província rebelde e vai buscar a reunificação, mesmo que à força. E isso pode provocar os Estados Unidos que poderá gerar uma Guerra entre as duas superpotências. Xi Jinping vem tentando, desde 2019, que Taiwan seja reunificado da mesma maneira que fez com Hong Kong: dois sistemas de governo “independentes”. Ninguém quer isso para Taiwan apontando a repressão chinesa em Hong Kong.
Mas há, sim, um consenso. Em 1992 houveram negociações em Hong Kong, entre representantes do PCC e do KTM. Os dois lados concordaram que só existe uma China, mas se posicionam de maneira diferente quanto ao significado. Só no ano 2000 que esse acerto foi chamado de Consenso de 1992, apesar de nunca ter sido escrito ou ratificado.
Para a China, “Uma China” significa que Taiwan deve voltar ao continente sob a liderança de Pequim. Para o KTM, significa que a República da China (Taiwan) é a única China.
É um conflito que já dura mais de 70 anos e piora cada vez que alguém dos Estados Unidos vai a Taiwan, ou vice-versa. A China responde com manobras militares no Estreito de Taiwan, que pode ser o estopim para uma nova guerra, colocando China e EUA frente à frente. A invasão da Ucrânia pela Rússia pode fazer com que Pequim tome uma atitude parecida em Taiwan. Uma eventual derrota do partido Kuomintang, de Taiwan nas eleições de 2024, pode ser uma boa desculpa para a China tentar trazer Taiwan à força.
No fundo, a questão é muito clara: cada um puxa a brasa para a sua sardinha.
Num jantar nos EUA com o então presidente Trump, o também então presidente Bolsonaro falou alguma coisa que foi respondido por um Trump ultra-nacionalista, didaticamente batendo no joelho de Bolsonaro: “Somos amigos, mas a América está em primeiro lugar“. E é nessa ideia que qualquer presidente de qualquer país deve se pautar.
Soma-se isso à questão dos semicondutores (chips) que são produzidos em Taiwan (e só em Taiwan), a eterna ameaça da China em ser a grande potência mundial e as crescentes vendas da indústria bélica norte-americana para países em crise (leia-se promovidos pelos EUA).
Como sempre, estão usando gasolina para apagar o fogo. Como toda grande potência, os EUA tem o receio de fomentar um futuro rival.
EDIÇÃO POSTERIOR: Quando digo que cada um promove seus próprios interesses, significa que esses interesses mudam de acordo com a condição de cada país naquele momento específico da história. Nixon quis se aproximar de uma China, dona de um exército formidável, mas sem nenhum poderio, o que o levou a desprezar Taiwan. Hoje tudo é bem diferente e a posição norte-americana mudou, pois vê a China como uma grande potência rival. Isso acontece desde que o mundo existe; veja o Império Romano, Bizantino, Persa, Inglês (ou Britânico)… Cada um tem seus próprios interesses.
Texto de Renzo Grosso, adaptado de diversas fontes jornalísticas.