
A Morte E A Morte De Verdade
Anos atrás, eu vi na TV uma história um tanto sinistra de um corpo encontrado numa casinha simples e que estava lá havia mais de cinco anos !!! Vários jornais e revistas de então se acumularam no chão da porta da frente e a luz foi cortada, assim como a água e outros serviços. Ninguém sentiu falta daquela pessoa por todo esse tempo. Nem os vizinhos, nem a família, nem nada. Mais ou menos como aconteceu com Gene Hackman e que deve acontecer todos os dias.

Gene Hackman morreu porque não havia ninguém para lhe dar os remédios, nem coisa alguma. Ele tinha 95 anos, estava em avançado estágio de Alzheimer e tinha problemas no coração. Era Betsy, sua esposa, que lhe dava o que comer, o que beber e também os remédios que ele tanto precisava. Mas Betsy morreu, vítima de hantavírus e ele ficou sem saber o que fazer. Ele deve ter sentido fome, sede e ninguém apareceu.
E então, mais uma semana depois, Gene Hackman morreu. Mas não foi a fome, a sede ou a falta dos remédios que o matou. Ele morreu de esquecimento. E aí vem a pergunta: a pessoa morre porque o coração parou ou porque ninguém sentiu sua falta ?
Gene Hackman morreu sozinho e a morte é inevitável. Só que ninguém notou sua falta. Nenhum amigo, ninguém da família, nada ! E ele não era um anônimo numa casinha. Hackman foi um dos mais celebrados atores de Hollywood. Ganhou dois Oscar e era amado por todos. Mesmo assim a memória falha, o corpo se deteriora e as pessoas somem.
Betsy parece ter morrido de repente. Teve mais sorte porque, ao que tudo indica, ela teve um mal súbito, causado pelo hantavírus, e morreu. Será que, naqueles segundos finais, ela ainda viveu o terror de se preocupar com o marido que dependia totalmente dela ? Se sim, então sua morte foi ainda mais dolorida.
E ele ficou sozinho. Por uma semana ele não sabia o que fazer, não se lembrava de coisa alguma, nem dos mais básicos dos instintos. Ninguém sentiu sua falta e ninguém foi em seu socorro.
O ator de 95 anos optou por viver longe da mídia. Seu primeiro casamento foi com Faye Maltese, de 1956 a 1986, e tiveram três filhos: Christopher, Elizabeth e Leslie. Em 1991 ele se casou com a pianista Betsy Arakawa.

Gene sempre disse que passava muito tempo longe da família e isso fez com que os filhos se sentissem muito distantes dele. Leslie Anne e Elizabeth, as filhas, disseram que não falavam com o pai havia vários meses e fizeram questão de afirmar que tinham ótima relação com ele. Mesmo assim, o jornal Daily Mail achou estranha a foto das duas sorrindo pouco depois de receberem a notícia da morte do pai. Pouco se fala de Christopher Allen Hackman, o filho, hoje com 65 anos.
A morte começa quando ninguém percebe que a sua falta não faz falta. As pessoas são esquecidas aos poucos e aos poucos os amigos vão se distanciando. Curioso que a casa não era pequena e eles não tinham empregados como cuidadores, enfermeiros, faxineiros… Tudo era creditado em Betsy, bem mais jovem que ele. Mas, como ele, ela morreu e ninguém apareceu.
A velhice leva à ausência. O idoso quer sossego e a tranquilidade do seu jardim. Muitos amigos já se foram e os que ficaram talvez não tenham condições de visitar ninguém. Se é que lembram de alguém.
Minha mãe viveu até os 89 anos e velou várias amigas a ponto de questionar, ironicamente, se sobraria alguém para ir ao velório dela. De fato, no velório só mesmo a família estava presente, com poucas exceções, e os pouquíssimos amigos que compareceram (que eram os filhos das amigas dela) disseram que nem iriam comunicar o fato para as mães deles. Por óbvias razões.
Poucos dias atrás, me perguntaram se eu tinha medo da morte ou de morrer.
Minha resposta foi NÃO ! Mas pensei: “o que me aborrece, é o esquecimento“.
Insubstituível, como sempre, mas o dia vai nascer de novo amanhã.
Texto de Renzo Grosso